- Quero que faça minha sobrancelha - disse a voz grave do homem.
Naquele momento um silêncio constrangedor ganhou a barbearia. Seu Osvaldo, o barbeiro mais competente da cidade, aquele mesmo que já aparou o bigodão do José Sarney nos anos 80 quando este visitou a cidade, homem sério, 53 anos, 35 só de profissão, Sr. Osvaldo, casado, pai de duas filhas a quem educa no melhor estilo sulista de ser, nunca imaginou, ao longo da sua vida profissional, se deparar com tal situação.
Acostumado a fazer a barba e cortar o cabelo dos velhos amigos, como o Seu Alfredinho que foi o seu primeiro cliente e até hoje, religiosamente, vai uma vez por semana na barbearia do amigo. Do Marcelão, o mecânico do bairro. Do Carlos Galhardo, vereador na cidade. Do Juca Padilha, o piloto de aviação, que, sempre quando pode, dá um jeito nas madeixas com o velho Osvaldo, como ele gosta de chamar. Do prefeito da cidade que tem horário preferencial, entre tantos outros amigos e clientes que por ali passam, Seu Osvaldo se viu numa enrascada com o homem sentado a sua cadeira.
O tradicional cabeleireiro é tão conceituado que os pais, desde cedo, levam os filhos para cortarem o cabelo com ele, como é o caso da família do Freitas, ex-jogador profissional de futebol, que há três gerações só vai ao Seu Osvaldo quando o assunto é beleza.
Agora, tirar a sobrancelha. Essa situação, em 35 anos de profissão o Seu Osvaldo nunca tinha passado. 'O que vão pensar os meus amigos se chegarem aqui e eu estiver tirando a sobrancelha de um baita marmanjo, tchê', pensou Seu Osvaldo. 'Era só o que faltava, porco dios'. 'Essa eu vou ter que contar hoje à noite lá na canastra'. 'Puto de merda'. Em 10 segundos, o tempo que durou o silêncio constrangedor o Seu Osvaldo foi rodeado por questionamentos, afirmações e dúvidas, até que tomou coragem para falar alguma coisa e quebrar o gelo.
- O senhor disse sobrancelhas?
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